Q. O objetivo deste concurso é incentivar e apoiar talentos emergentes e personalidades em ascensão na ópera. Porque é que este objetivo é tão importante e essencial na sua opinião?
Adriano Jordão – A importância do “Cascais Ópera” revelou-se seguramente muito para além do encorajamento e desenvolvimento de jovens talentos.
Se esta é uma função básica de um concurso internacional de primeiro nível mundial, a sua inserção na sociedade e a participação recíproca que recebe fazem parte das metas essenciais por que foi concebido.
Os programas de participação cívica, a preocupação ambiental, a criação de novos públicos são elementos sistémicos do Cascais Ópera.
Jorge Chaminé – Por essa razão, tive a honra de assistir à primeira edição do Cascais Ópera e participar na homenagem a Teresa Berganza, um exemplo muito próprio da generosa partilha e transmissão de saberes, de uma das maiores cantoras dos últimos 50 anos, e por isso, esta bela iniciativa é agora apoiada pelo CEM. Abraçando dois dos pilares da nossa ação: a transmissão e a inovação. Hoje, nós músicos somos confrontados com uma redução do espaço de ação e devemos colocar a imaginação no centro da nossa atividade, apoiando as novas gerações de músicos que se confrontam, hoje, com uma multiplicação de obstáculos que muitas vezes se afastam da verdadeira missão do músico. E que isso seja feito com excelência, parece-me essencial.
Q. Eventos como o Cascais ópera permitem que a música seja partilhada e transmitida entre gerações como património imaterial, mas como se podem construir pontes entre gerações, na sua opinião, quando a música clássica e a ópera (cujo apelo tem vindo a crescer novamente nos últimos anos) representam hoje apenas uma pequena parte dos 82 mil milhões de euros da contribuição da indústria musical para a economia europeia?
Adriano Jordão – A repartição tão injusta dos fundos criados pela indústria musical europeia é uma prova do desvio cultural que se tem acentuado nas últimas décadas.
Essa repartição corresponde a interesses de mercado, interesses viciados pela impreparação cultural generalizada que dificulta a distinção entre o trigo e o joio.
Vemos, infelizmente, que o joio tem ganho terreno e que a “facilitação” cultural trouxe uma clara baixa ao nível das exigências do público.
Compete-nos lutar pelos mais altos parâmetros, a única maneira de conseguir ultrapassar estas dificuldades.
Jorge Chaminé – A apropriação da Arte pela economia continua a ser, até hoje, desastrosa!!! O marketing, as leis do mercado, tornam-se a Bíblia da carreira do músico. A música, em particular, o último bastião a ter sido apanhado, está agora a ser conduzida pela indústria, pela moda do momento, porque é um dos chamados artigos de luxo para a sociedade de consumo. A imagem está cada vez mais a substituir a música, o carreirismo obstinado com a atração do lucro está a tornar-se a alma da profissão, o serviço narcísico do ego está a substituir o serviço nobre devido à música. É por isso que temos de mudar paradigmas e juntar pessoas de boa vontade. Está em jogo a sobrevivência deste laço de alteridade, de fraternidade, desta ação das Musas que cada vez mais perdem o seu mistério para se tornarem um simples objeto de consumo.
Q. Este concurso está agora ainda mais integrado no cada vez mais competitivo ecossistema musical internacional. Como é que esta iniciativa pode contribuir para a profissionalização e inclusão dos músicos?
Adriano Jordão – A profissionalização dos músicos e a sua inserção no ecossistema musical internacional é claramente facilitada por iniciativas como o “Cascais Ópera”.
Para além, e julgo que mais importante do que o sucesso resultante das premiações, está o contacto entre pares concorrentes, a possibilidade de se ser ouvido por Mestres, a participação nos eventos académicos como as “masterclasses”, momentos onde se abrem portas e janelas para um futuro melhor e mais rico!
Jorge Chaminé – Sem dúvida. A verdadeira competição para um músico deve ser apenas consigo próprio. É assim que se atinge a excelência. E uma experiência partilhada com os seus pares num ambiente tão aberto e amigável como o que me foi dado ver durante a primeira edição da ÓPERA DE CASCAIS deu-me esperança para esta abordagem para além das competições habituais, muitas vezes prejudicadas por interesses que nada têm a ver com a música e os talentos emergentes.
Q. Como vê o futuro do Cascais Ópera e como pode ele ser cada vez mais parte das acções que contribuem para colocar a música no centro da sociedade, na sua opinião?
Adriano Jordão – Assistir ao crescente interesse da sociedade, em geral sobre o “Cascais Ópera” , a nível nacional pelo olhar cada vez mais curioso dos media ou a colaboração dos actores culturais e a nível internacional pelas cada vez mais relevantes parcerias , leva-nos a antever um futuro muito gratificante.
Foi para mim surpreendente o sucesso obtido na primeira edição e antevejo um movimento crescente nas próximas, desde já na segunda a ter lugar em Abril/Maio de 2025
É isto um reflexo do poder da Música sobre a alma humana e a prova de que lutar pela mais alta qualidade traz sempre resultados compensatórios.
Jorge Chaminé – O Cascais Ópera teve a boa ideia de vir anunciar a sua segunda edição, no Dia Mundial da Ópera, data de nascimento de Bizet, em Bougival. Há vários anos, o domínio musical de Bougival foi esquecido ou mesmo condenado à ruína. O CEM lutou pela recuperação deste património único e, hoje, a Casa de Georges Bizet e a Villa Viardot estão salvas. Carmen nasceu em Bougival e Bizet morreu nesta casa, e na Villa Viardot, residência de uma das maiores cantoras de todos os tempos, Pauline García-Viardot, filha mais nova de Manuel García e irmã de “La Malibran”, inscreve-nos nestes fios de memória que nos moldaram e que estamos a perseguir, humildemente mas determinados. Por isso, é para nós um enorme prazer receber o Cascais Ópera na Villa Viardot, coração do projeto VIA GARCIA VIARDOT integrado no programa VIA MUSICA do CEM e que estabelece a importância desta família para o Bel Canto, identidade musical europeia, tornando o Cascais Ópera e o CEM, herdeiros responsáveis deste legado. E os laços com um incrível alinhamento de fios de memória: O Dia Mundial da Ópera, o aniversário de Bizet e, para a edição de 2025 do Cascais Ópera, o 250º aniversário do nascimento de Manuel García e o 150º aniversário da primeira representação de Carmen e da morte de Bizet são particularmente simbólicos. A nossa parceria com o Cascais Ópera tem como objetivo ajudar a colocar a música no centro da nossa sociedade e, para isso, temos de fazer o que diz o lema do CEM: vamos dar força à música!